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domingo, 11 de junho de 2017

A PRAÇA DOS ESCRAVOS

Era por volta das quatro da manhã, a galera após se acabar nos bagulho acenderam umas fogueiras para se aquecer. Quando o efeito da pedra passa, é o que nos resta, frio e fome. 

E nesta madrugada, especialmente fria, muitos possivelmente não acordariam, Seriam assaltados na calada da noite, por um ou pelo outro. Todos os dias eram assim na Praça da libertadora dos escravos. 

Os seus pretos, agora libertos, continuavam a ter um fim trágico: overdose, fome ou frio, nada diferente da senzala. 

Peguei minhas coisas e entrei na barraca armada com pedaços de madeira e papelão. Tentando me esconder do frio e pregar os olhos. O cheio de maconha entrava pelas frestas e com ela um vento gelado, e por mais que tentasse um mísero cochilo, o estômago impedia, doendo, roncava alto. 

Dia estranho, me incomodar assim com a fome, estava sem um puto para mais um barato antes de dormir, ao menos durante a nóia a fome desaparece. E depois, você dorme, não porque tem sono, mas para permanecer no sonho, longe do pesadelo da realidade. 

E entre um cochilo ou outro, se desperta no susto por uma briga, alguém mijando na sua cara ou por alguém tentando roubar o pouco que você tem para mais uma pedra. Não dá nem para julgar. 

Mas, neste noite as coisas estavam estranhas, acho que o frio fez a galera desanimar e querer apenas se aquentar. Um dia frio, drogas, bebidas e uma fogueira, era tudo. 

Mas eles chegaram de repente, eu estava quase pegando no sono, ouvi algumas sirenes  e a agitação. Som de passos rápidos, os cachorros latindo nervosos, olhei pela fresta e vi soldados, armas em punhos, passos fortes no chão, batiam violentamente em que ousava atravessar seu caminho. 

Gritaria, correria, pensei: Hoje é dia?! 
Porque não estão em suas casas aquecidas, em suas camas forradas com almofadas e edredons, dormindo o sono dos justos. 

Impiedosamente invadiam meu lar, para tirar meu sossego. 

Comecei a apanhar minhas coisas, tudo o que tinha cabia em uma sacola de mercado. Os passos apertavam, estavam mais perto, barracas eram derrubadas ao som de gritos: "vai vagabundo, levanta dai" ... "Não adianta correr" ... "se correr vai morrer". .."drogado, filho da puta".

Eles invadiram como uma enxurrada, varrendo tudo, levando o que viam pela frente. 

Apavorado, levantei, peguei minha troxa e tentei correr. Senti uma paulada nas pernas, cai, levei comigo uma barraca que caiu próximo a uma fogueira, levantando faíscas e espalhando brasas. Em pouco tempo, enquanto eu ainda me arrastava no chão, o fogo se espalhou. 

Fui puxado pelos cabelos, arrastado por alguns metros, até que me ergueram. 
Puta que pariu a praça estava em chamas. Sons de sirenes, barulho de helicóptero, soldados por todos os lados, gente sendo algemada, ouras apanhando por resistir.

E a praça em chamas, o fogo da justiça de um lado e da injustiça do outro.
Que a ambos consome de ódio.

A praça estava em chamas,  e a culpa era minha. 

Morador de rua, vagabundo, safado, drogado, preto e pobre.
Sem lar, sem nada.
E agora, sem praça. 

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